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ExCelso: A liberdade de ensinar e dois votos separados por 56 anos

Os votos de Victor Nunes Leal e de Luís Roberto Barroso sobre a liberdade de cátedra

Felipe Recondo

Brasília
23/08/2020 08:38
Atualizado em 23/08/2020 às 12:59

O Supremo concluiu na sexta-feira, 21 de agosto, o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.537) contra uma lei aprovada pelo estado de Alagoas nos moldes do que defendido pelo grupo Escola Sem Partido, ou seja, que obrigava as escolas e os professores a terem “neutralidade política, ideológica e religiosa”. Como consequência, o advogado Miguel Nagib anunciou o fim das atividades do grupo Escola Sem Partido. E, nesta segunda-feira, o tribunal pode lembrar uma decisão proferida pelo tribunal no dia 24 de agosto de 1964, um dos processos mais importantes julgados pelo Supremo durante a ditadura militar.

No dia 26 de junho de 1964, o professor Sérgio Cidade de Rezende distribuiu aos seus alunos da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica de Pernambuco um manifesto contrário à situação política do país. E dizia que os estudantes tinham de optar entre “gorilizar-se” ou permanecerem seres humanos, assumindo a responsabilidade pelos destinos do país. “A estes cabe a honra de defender a democracia e a liberdade”, escreveu o professor. E fazia um elogio ao Partido Comunista.

O Ministério Público acionou a Lei de Segurança Nacional, pediu a prisão preventiva do professor e o denunciou pela distribuição de material que fazia propaganda política subversiva. Além disso, o denunciava por instigar publicamente desobediência da lei de ordem pública, pois, em depoimento à polícia, o professor se disse contrário ao Ato Institucional que inaugurou o governo militar. O juiz Nelson Arruda, da 3a Vara Criminal de Recife, decretou a prisão e recebeu a denúncia.

Sérgio era filho do marechal Taurino Rezende, que foi nomeado pelo presidente Castelo Branco para chefiar a Comissão Geral de Investigações (CGI), órgão encarregado de coordenar os inquéritos policial-militares instaurados contra acusados de subversão. A prisão do filho fez com que Taurino Rezende se demitisse do cargo.

Em habeas corpus impetrado no Supremo, os advogados – Justo de Morais, Joaquim de Carvalho Jr. E Inezil Penna Marinho – argumentaram que a decisão violava o direito de cátedra e a liberdade de livre manifestação. Afirmavam ainda que o manifesto, mesmo com críticas ao golpe militar, não configurava propaganda subversiva nem incitava a desobediência no cumprimento da lei.

O relator do processo, ministro Hahnemann Guimarães, num voto de poucas linhas, concedeu a ordem de habeas corpus por considerar que não havia na conduta do professor nenhuma prática de crime. Foi seguido por todos os ministros. Mas dois votos se destacam neste julgamento.

Um do ministro Pedro Chaves. Não pelos fundamentos jurídicos pela também concessão do habeas corpus, mas por expor seu pensamento político. “Foi distribuindo um manifesto, um memorial, para concitar os seus jovens alunos a que pensassem na situação atual, que evitassem de se ‘gorilizar’, porque , para ele, aqueles que derrubaram o comunismo, que estava se implantando dia a dia nesta terra, eram ‘gorilas””, disse o ministro. E seguiu: “A mim, ao contrário, acho que eram ‘gorilas’ aqueles que queriam fazer de nossa independência, da nossa liberdade de opinião, do nosso direito de sermos brasileiros e democratas, tábula rasa, para transformar-nos em colônia soviética, onde eles não seriam capazes de manifestar um pensamento sequer em favor das ideias liberais , para eles, então, haveria Sibéria, ‘paredon’ e outros constrangimentos”.

O voto mais enfático em favor da liberdade de cátedra foi proferido pelo ministro Victor Nunes Leal, que se inspirou em julgamentos da Suprema Corte dos Estados Unidos (especificamente o caso Sweezy versus New Hampshire). Nesse caso americano, o professor Paul Sweezy, que se declarava socialista, foi investigado e interrogado sobre conferências que proferiu. A Corte Suprema acentuou, neste julgamento, a ampla liberdade de cátedra.

Victor Nunes expôs argumentos que, de alguma maneira, estão agora expostos no voto do ministro Luís Roberto Barroso.

“No Brasil, quase tudo está por se fazer. Nosso futuro depende de criação dos homens de pensamento, principalmente dos jovens, e não há criação, no mundo do espírito, sem liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar. Se há um lugar em que o pensamento deve ser o mais livre, este lugar é a universidade, que é o laboratório do conhecimento. E eu não gostaria que os jovens brasileiros pudessem, algum dia, reproduzir, ao pé da letra, aquelas palavras melancólicas de Einstein, ou pudessem comparar a nossa universidade com as universidades dos países submetidos à ditadura”, defendeu Victor Nunes.

“Os riscos da liberdade do pensamento universitário são altamente compensados com os benefícios que a universidade livre proporciona ao povo, ao desenvolvimento econômico do país, ao aperfeiçoamento moral e intelectual da humanidade”, concluiu.

Pluralismo de ideias que agora Barroso enfatizou em seu voto para dizer que a imposição de neutralidade, inicialmente é inviável e depois impediria a “afirmação de diferentes ideias e concepções políticas ou ideológicas”.

“Há uma evidente relação de causa e efeito entre o que pode dizer um professor em sala de aula, a exposição dos alunos aos mais diversos conteúdos e a aptidão da educação para promover o seu pleno desenvolvimento e a tolerância à diferença. Quanto maior é o contato do aluno com visões de mundo diferentes, mais amplo tende a ser o universo de ideias a partir do qual pode desenvolver uma visão crítica, e mais confortável tende a ser o trânsito em ambientes diferentes dos seus”, disse Barroso.

Dois votos no mesmo Supremo, separados por 56 anos.

*A coluna ExCelso é um espaço para lembrarmos e discutirmos a história do Supremo Tribunal Federal por meio de imagens, documentos, entrevistas, livros. A coluna será publicada semanalmente e traz em seu nome uma referência ao atual decano, Celso de Mello, que, pela função e temperamento, funciona como a memória do tribunal. Quem assiste às sessões já se acostumou às suas referências que, não raro, vão até o Império e às Ordenações Filipinas, do século XVI. 

Felipe Recondo – Diretor de conteúdo em Brasília. Sócio-fundador, é responsável por todo o conteúdo produzido pelo JOTA. Autor de "Tanques e Togas - O STF e a Ditadura Militar" e de "Os Onze - O STF, seus bastidores e suas crises", ambos pela Companhia das Letras. Antes de fundar o JOTA, trabalhou nos jornais O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo, no blog do jornalista Ricardo Noblat. Email: felipe.recondo@jota.info

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/excelso/excelso-a-liberdade-de-ensinar-e-dois-votos-separados-por-56-anos-23082020

Fonte: JOTA em 23/08/2020

Publicado em 24/08/2020 às 13h17 e atualizado em 31/03/2025 às 12h25